<$BlogRSDURL$>
mil e uma pequenas histórias
31.12.04
 

764 A história atrás da orelha

Um homem acordou um dia com uma história atrás da orelha, e por mais que tentasse nunca lhe conseguia pôr termo. Só vários livros depois percebeu afinal que tinha sido picado pelo bichinho da escrita.
 
29.12.04
 

763

Passou quase todos os dias da sua vida e a maior parte das horas de cada dia naquele quarto exíguo e mal iluminado. Quando lhe perguntavam porque se escondia do mundo, o que acontecia com frequência, sorria e respondia em silêncio a si mesmo: se todos vivemos encarcerados, o que me parece indiscutível, talvez a verdadeira liberdade se limite a escolhermos a nossa própria prisão. Seja como for, ele só ali entrava e permanecia quando bem queria e lhe apetecia, mas a verdade é que fosse ele prisioneiro naquele lugar, e nada o impediria de ser tão livre quanto era.
 
27.12.04
 

762 (SMS)

Sentia-se ora o mais feliz, ora o mais miserável dos homens, e não conseguia evitá-lo. Verdade seja dita, preferia assim. Não suportava a monotonia.
 
 

761

Despiu-se e caiu num sono profundo. O pior foi quando voltou a si, e por momentos não fazia a mínima ideia de quem era. Depois, passado o susto, vestiu-se e sentiu-se muito melhor. A verdade é que até as palavras precisam de descansar de si mesmas de vez em quando.
 
25.12.04
 

760 SMS

Procurou o prazer como se apenas ele existisse, até que todo o seu eu se dissolveu afinal em volúpia, e dele nada restou.
 
22.12.04
 

759

Um dia, todas as palavras que dissera e escrevera ao longo da vida voltaram para si numa azáfama, envolvendo-o numa gigantesca nuvem ruidosa, e nesse exacto momento percebeu que o seu fim estava próximo. A sua sorte foi que a morte, ali chegada, não o distinguiu no meio da confusão, e retirou-se, muito apressada, resmungando sem parar. Assim, durante mais algum tempo, ele pôde ainda continuar a falar e a escrever, o que fez, até que acabou por sucumbir a tamanha verborreia. Este é afinal o perigo que correm todos aqueles que não usam a palavra com rigor e moderação.
 
20.12.04
 

758

O Pai Natal desceu por uma chaminé e ficou entalado, com as botas de fora. Por sorte, nada lhe aconteceu, que uma das renas tirou-o para fora, não sem dificuldades, é verdade, mas ainda a tempo de entregarem os presentes que faltavam, não fosse, tal como todos os anos, repetir-se uma e outra vez a mesma situação. Não digam nada a ninguém, este é um dos segredos mais bem guardados: o Pai Natal é bem intencionado mas muito trapalhão. É por estas e por outras que muitos meninos ficam sem prendas e muita gente não acredita no espírito de Natal.

 
19.12.04
 

757 (Fábula sms)

“Vou-te comer assim ou assado”, disse o lobo ao borrego, e com razão, ainda que tenha afinal acabado em ensopado.
 
17.12.04
 

756 (SMS)

Tinha, como a grande maioria dos homens, uma profunda admiração pelas mulheres com muito peito e pouca roupa. E foi assim que se tornou numa.
 
 

755

Perguntou a si mesmo não quem era, pergunta que já há muito desistira de responder, mas qual era o seu lugar, pensando que assim seria mais fácil; no entanto o mais que conseguiu foi concluir que era uma carta fora do baralho. Por essas e por outras é que deixou afinal de interrogar-se, e até ao fim dos seus dias viveu tranquilo na mais completa ignorância do seu verdadeiro ser.
 
16.12.04
 

754

Um homem olhou-se ao espelho pela manhã, um pouco depois de acordar, e não se reconheceu. Isso acontecia-lhe todos os dias, nada de novo, o invulgar é que desta vez sentiu uma tal simpatia pelo rosto à sua frente, que lhe sorriu. Não obteve resposta.
 
15.12.04
 

753 (SMS)

Uniram-se como nunca se tinham unido, como se fossem um. Quando ela lhe perguntou se a abandonaria, ele não só não percebeu como julgou estar a enlouquecer.
 
 

752.

Certo dia uma página disse a outra que desaparecesse, estava farta dela, já não podia suportá-la; ao que esta lhe respondeu com muitas e boas, quem está mal muda-se e outras que tais. Foi tal a discussão, que se estendeu em pouco tempo a todo o livro, e não havia página que não gritasse alto e bom e som o seu descontentamento. Ainda nem um minuto tinha passado quando um homem de uniforme chegou ao local, agarrou o livro com determinação e folheou-o com vigor, pondo fim ao tumulto. Era uma biblioteca onde se mantinham regras estritas quanto ao silêncio.
 
14.12.04
 

751

Era uma vez um homem que mal abria a boca logo soltava palavras, e elas tanto podiam formar um belo poema como um elaborado insulto, ou vice-versa, ou nem uma coisa nem outra. A verdade é que ele não as controlava, e corria sempre o risco de dizer qualquer coisa menos o que queria dizer. Decidiu então nunca mais abrir a boca, e raras vezes o fez, a não ser para comer ou bocejar. Só no fim da vida quebrou o silêncio, para descobrir afinal que nada mudara: continuava a não dizer o queria mas apenas o que conseguia dizer.
 
11.12.04
 

setecentas e cinquenta pequenas histórias

Faltam duzentas e cinquenta pequenas histórias para atingir as mil e uma.

Apenas? Ainda?

Faltam duzentas e cinquenta.

Na verdade falta, como desde o início, uma história, e mais uma, e mais uma... até serem mil e uma: mil histórias e mais a história que todas juntas contarão.

Até à próxima.
 
 

750 PONTO DE PARTIDA (SMS)

Um dia pôs-se a caminho para não mais voltar. Desde então regressou muitas vezes e partiu outras tantas, mas manteve a sua palavra.

 
9.12.04
 

749 (SMS)

Dizia que só tinha uma certeza: a de que não tinha certezas. Mas com o tempo até essa certeza perdeu. Era um homem deveras duvidoso.
 
 

748 (SMS)

Ele vivia na corda bamba da sua imaginação, entre o sonho e a realidade, e nada podia fazer senão cumprir o espectáculo: era personagem da sua própria ficção.
 
8.12.04
 

747

Tens um dia de vida. Vinte e quatro horas. Nem mais um minuto. Aproveita! — isto disse-lhe a Morte plena de malícia, mas ele não lhe ligou nenhuma, e viveu esse dia como sempre vivia todos os dias. Quando mais tarde a Morte chegou, à hora marcada, ele recebeu-a com um sorriso aberto e perguntou-lhe ao que vinha. Ela pensou que ele endoidecera, mas a verdade é que ele vivia o momento, um de cada vez, como se fosse o primeiro, como se fosse o último.
 
7.12.04
 

746

O que não se diz não só cabe no que se escreve como o extravasa. É por isso que se pode dizer muito em quase nada, e sempre haverá lugar para muito mais.
 
6.12.04
 

Cinco pequenas grandes histórias a pensarem no optimismo e no pessimismo. (SMS)

741

Um pessimista e um optimista reuniram-se um dia para trocar algumas ideias. O encontro correu tal e qual cada um tinha previsto.

742

Um pessimista e um céptico estiveram horas a conversar. A conclusão mais importante a que chegaram foi que pouco tinham em comum.

743

Quando a vida corre mal a um optimista, ele pensa que é pelo melhor. Quando a vida corre mal a um pessimista, ele pensa que o pior ainda está para vir.

744

O optimista diz que o copo está meio cheio e o pessimista que o copo está meio vazio, mas só quem o beber é que matará a sede.

745

Um homem que foi durante muito tempo pessimista tornou-se um dia optimista, e assim permaneceu até ao fim dos seus dias. O contrário é muito mais frequente.

 
3.12.04
 

740 [Das acções e das suas consequências ou de como todos os dias se perdem boas ocasiões para se estar calado]

Era uma vez um homem que era uno com as palavras que proferia. Quando dizia vou, ia. Quando dizia faço, fazia. Mas certo dia, nem ele soube porquê, o que disse foi: “Que eu morra já aqui se não sou capaz de...” E a verdade é que não era, pois morreu de imediato. Fossem as coisas sempre assim e o silêncio seria muito mais popular.

 
2.12.04
 

739 (SMS)

Quando o mestre faleceu à frente de todos, sentado em perfeita postura, o sorriso desapareceu com ele. No entanto, só muito mais tarde reconheceram a morte.
 
 

737 (SMS)

Estava apaixonado, muito apaixonado, mesmo muito apaixonado. Estava tão apaixonado pela vida que a morte nem queria interferir. Teve uma vida longa e feliz.

738 A Todos os Leitores

Atenção leitor, esta pequena história depende da tua colaboração. Não voltes a ler estas palavras, esquece este texto de uma vez por todas. Só assim ela conseguirá realizar o seu sonho: ser efémera. Muito obrigado.

 



***
... a ficção no seu mínimo...

Luís Ene

©2002/5

***
Faça-se ouvir:
envie-me um e-mail
deixe a sua opinião

***
em papel


clique para comprar

***
uma entrevista

uma crítica
***
"(...) desejaria reunir uma colecção de contos de uma única frase, ou de uma só linha, se possível."
Italo Calvino - seis propostas para o próximo milénio
***

histórias por tema

* ler e escrever *
* o zen à janela *
* o amor é o que é *
* da brevidade *
* fabulário *
* viva a morte *

***

todas as histórias
08.2002 / 09.2002 / 10.2002 / 11.2002 / 12.2002 / 01.2003 / 02.2003 / 03.2003 / 04.2003 / 05.2003 / 06.2003 / 07.2003 / 08.2003 / 09.2003 / 10.2003 / 11.2003 / 12.2003 / 01.2004 / 02.2004 / 03.2004 / 04.2004 / 05.2004 / 06.2004 / 07.2004 / 08.2004 / 09.2004 / 10.2004 / 11.2004 / 12.2004 / 01.2005 / 02.2005 / 03.2005 / 04.2005 / 05.2005 / 06.2005 / 07.2005 /

***
utilidades

língua portuguesa

literatura portuguesa

Opiniones y consejos sobre el arte de narrar

***
contos mínimos e outras insignificâncias

Augusto Monterroso
Mário Henrique Leiria
Julio Cortazar
Raúl Brasca
pequenos contos
contos zen
greguerias
Vicente Huidobro
estórias sufi
provérbios árabes

***
primos do blog

primeiros mil microcontos
ene problemas
microcontos da zezé
microcontos do carlos
a casa das 1000 portas
letra minúscula

***
outros blogs


o outro mil mais uma
A Contadora
Azul cobalto
Blog de esquerda
blogo
Blogs em.pt
bomba inteligente
bloco de notas
contra a ilusao
cruzes canhoto
Digitalis
e-pistolas
escrita
esquissos
ghostboy
J.K's Diary
Eu-Luis Rijo
Fumacas
Lucubrando
mar portuguez
noite escura
outro lado da lua
paragem de autocarro
pensamentos imperfeitos
pensar enlouquece
polzonoff
PortalC.Tellez
socially incorrect
telepatia
Templo de Atena
:totentanz:
um dia gnostico
vastuleC

fabio Ulanin
eugeniainthemeadow
rua da judiaria
Ma-Shamba
escorrega...
elasticidade
***



Powered by Blogger