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mil e uma pequenas histórias
31.3.05
 

828

Durante alguns anos perguntou a si mesmo se era um escritor, e outros mais interrogou-se se era um bom escritor. Finalmente, convenceu-se que era um escritor medíocre. Foi o melhor que lhe aconteceu, continuou a escrever sem se preocupar com o resultado, que é afinal como sempre se deve escrever.
 
 

827 (sms)

Estás bem? — perguntou ela.
Estou bem — escreveu ele pouco depois, mas calou que melhor estaria se junto dela.
É mais o que calamos que o que dizemos.
 
30.3.05
 

Para a minha filha Laura que, tal como eu, não percebe nada de poesia.

826

O poeta queria escrever um poema, mas por mais que tentasse não o conseguia. Tinha a estranha sensação de que faltavam palavras que não podia dispensar. Procurou-as com determinação, em si e nos muitos livros que amava, mas em vão. A leitura exaustiva de vários dicionários também de nada adiantou. Só então o poeta pareceu cair em si, sentou-se à mesa de trabalho e escreveu num ápice o primeiro de uma série de poemas silenciosos.
 
 

825 (sms)

Explicou-se, pediu desculpa, mas na verdade não percebera nada do que tinha acontecido. Talvez por isso se tenha explicado e pedido desculpa.
 
29.3.05
 

824 (sms)

Vai devagar, pediu-lhe ela, e ele foi, tão devagar que ainda está a caminho. Pode ser que vá longe, mas vai demorar muito mais do que o tempo desta história.
 
 

823 (sms)

Falava sempre verdade, embora fosse muito exagerado, e muito imaginava e mais dizia para o conseguir afinal.
 
25.3.05
 

822 (sms)

As suas bocas uniram-se sem esforço num diálogo fácil. Só muito mais tarde eles falaram sobre isso.

 
24.3.05
 

821 (sms)

Tentou uma e outra vez, com teimosa paciência, mas afundava-se sempre. Teve de aceitar que não conseguia caminhar sobre as águas.
 
23.3.05
 

820

Se ela estivesse apaixonada por ele, escrever-lhe-ia sem dúvida uma doce carta de reconciliação. Isto foi o que ele pensou, mas esperou em vão, que é o que acontece muitas vezes a quem confia nos correios. Antes isso do que deixar de acreditar no amor.
 
22.3.05
 

819

Leu mais uma página, estranhando que aquelas palavras lhe fossem ao mesmo tempo tão familiares e tão desconhecidas. A verdade é que ele já não era aquele que as tinha escrito. As palavras não se oferecem a quem as escreve mas a quem as lê.
 
20.3.05
 

818 (sms)

Disse-lhe adeus e deixou-o ir, era um amor fugidio, escusado seria mantê-lo fechado em si mesmo.
 
 

817 (sms)

Durante muito tempo procurou um mestre. Na verdade, só desistiu quando um discípulo o encontrou a ele.
 
15.3.05
 

816

Depois que ela o abandonou ele julgou morrer, tanto sentiu a sua falta. Muito mais tarde admirou-se por amá-la ainda, e sentiu-se feliz. O seu amor era só seu, ela não o tinha levado consigo.
 
 

815

Um homem sentiu-se tão infeliz que começou a chorar, e quanto mais chorava mais infeliz se sentia, até que chegou uma altura em que já não sabia se chorava porque se sentia infeliz ou se estava infeliz porque chorava. Não sei se em tudo há uma causa e um efeito, disse o homem, mas chorar de certeza que não me faz feliz, e eu não gosto de estar triste. Deixou de chorar, limpou a cara, e sentiu-se logo melhor. Não estava feliz, é verdade, mas também não estava triste, e não estar triste, se pensarmos bem, é quase estar feliz.
 
12.3.05
 

814

— Onde querias estar?
— (...)
— Onde podias estar?
— (...)
— Nunca pensas nisso?
— Estou aqui.
— E depois?
— Depois se verá.
— (...)
 
10.3.05
 

813

Quando a tentava imaginar, conseguia ver apenas partes do seu corpo — os pés, o torso, um braço, um perfil — e estas imagens mutiladas aumentavam a angústia da sua ausência. Só muito mais tarde aprendeu a fechar os olhos, e a recordar o seu inconfundível sabor a sal, intenso e longo.
 
9.3.05
 

812 (sms)

O amor estava à espera dele, tinha a certeza disso, ainda que faltasse de todo o quem, como, onde e quando.
 
 

811 (sms)

Agarrou-se com unhas e dentes a uma frase feita e repetiu-a vezes sem conta. Antes isso do que meter os pés pelas mãos à procura de uma explicação.
 
7.3.05
 

810 (sms)

Terminado o conto achou-o muito palavroso. Lavou-o então em água bem quente e enxugou-o com o secador. Ficou óptimo. Às vezes vale a pena encolher a escrita.
 
4.3.05
 

809 (sms)

Foram felizes para sempre, é verdade, mas muito aconteceu até que aí chegaram vindos de era uma vez.
 
 

808 (sms)

Sentiu-se obnóxio, completamente obnóxio, e de nada lhe adiantou desconhecer o significado da palavra.
 
2.3.05
 

807

Todos os dias, pela manhã, escrevia uma pequena história. Na verdade, nem todos os dias, agora que penso nisso, e nem sempre pela manhã, e muitas vezes duvidava que de uma história se tratasse. E assim estraguei um bom início e cheguei rapidamente ao fim.
 
1.3.05
 

806 (sms)

"O que é que eu quero que não tenha?", desafiou. Sabia muito bem que nada tinha.
 



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Luís Ene

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