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mil e uma pequenas histórias
28.4.05
 

862

A melhor forma de comer uma bolacha é mordiscá-la, da fímbria para o centro, num tímido e delicado movimento circular. Pode-se lamber a bolacha, desde que tal seja feito de forma discreta. Nunca, mas nunca, por mais pequena que ela seja, se deve comer uma bolacha de uma só vez.
 
27.4.05
 

861

Um homem declarou o seu amor a uma mulher. Esta, sabendo-o muito violento, disse-lhe que sim, mas com uma condição: deveria ajoelhar-se à sua frente, de cabeça baixa e ficar imóvel por alguns minutos. Contente, ele assim fez, e muito pouco tempo passou até que ela lhe desferiu uma forte pancada na base do crânio que o matou de instantâneo. [A moral desta história é bastante clara: muitas vezes um sim condicional em nada se distingue de um não peremptório.]
 
 

860

Preciso mudar de vida, dizia ele vezes sem conta, mas permaneceu sempre o mesmo. [É o que acontece a quem não sente o que diz.]
 
 

859

Quero-te, disse ela, e a sua voz rouca e um pouco áspera envolveu-o por completo. Ele quis responder, mas foi incapaz de romper o silêncio.[E a morte levou-o consigo.]
 
26.4.05
 

858

Só os mortos escrevem obras-primas, disse o escritor, e matou-se em seguida.
 
 

857

Acordou para um dia luminoso, tão luminoso que o cegou para sempre. Isto digo eu, que sou um exagerado. Na verdade, apenas deixou de ver por um instante. Mas há instantes que duram uma eternidade.
 
25.4.05
 

856

E durante muito tempo nada aconteceu, mas nem por isso a vida parou, antes pelo contrário.

855

Não se conta uma história a direito. Uma narrativa pode ser tudo menos uma linha recta. Mas o que é uma linha senão um conjunto de pontos?

[Pequenas histórias escritas no telemóvel enquanto lia “Sputnik meu amor” e bebia uma meia-de-leite no café.]
 
24.4.05
 

854

Quando estamos juntos, depois das brincadeiras do costume, monta-me decidida e galopa até ao orgasmo. Acho que é a sua forma de dizer que precisa de mim.
 
22.4.05
 

853

No amor haverá sempre desgosto ou sou eu que lhe tomei o gosto? E não era tanto uma falsa pergunta mas sim uma verdadeira constatação.
 
21.4.05
 

852

Porquê a sensação de não ter acontecido aquilo que acontecera? Talvez por tantas vezes o ter imaginado, lhe custasse agora acreditar que acontecera realmente.
 
 

OUVIDO POR AÍ No micro-conto o autor vence o leitor por nocaute logo no primeiro assalto.
 
 

851

Um livro que se fecha é um livro que se abre. Um amor que acaba é um amor que começa. Na leitura e no amor não há intervalos. Se ainda não começou de novo é porque ainda não acabou de vez.
 
20.4.05
 

850

A maior parte do tempo faltavam-lhe as palavras. Não eram todas, só algumas, porque muitas tinha-as ele afinal de sobra. E entre palavras a mais e palavras a menos, poucas vezes conseguia dizer algo que fizesse sentido. Exactamente como eu.
 
 

849

Deitou-se com um livro e leu até que os dois adormeceram.
 
 

848

Um conto, por mais pequeno que ele seja, diz o que tem a dizer.
 
18.4.05
 

847

Foi à procura de um resultado, e quase tudo lhe passou ao lado. [É o que acontece quase sempre a quem respeita a lei da causalidade.]
 
15.4.05
 

846

Quando se sentia mais desanimado, embrulhava-se numa metáfora, e a vida fazia todo o sentido.
 
 

845

Num dia que já só consigo imaginar, atravessaste a rua e disseste que me amavas. Respondi que também te amava, mas esse amor pareceu-me tão impossível então como agora me parece que tenha afinal acabado.
 
14.4.05
 

844

Depois de muitos anos de deambulações e deboches, retirou-se para uma vida de estudo e contemplação. Podia ter dito ao contrário, mas pareceu-me que assim fazia mais sentido, nem sei bem porquê.
 
 

843

Só tenho problemas, lamentou-se ele, mas na verdade também tinha soluções, só que não encaixavam.
 
13.4.05
 

842

Era um homem triste que há muito procurava a verdade, como se dela dependesse a sua própria vida. E agora que penso bem, talvez fosse esse afinal o motivo porque tinha perdido a alegria de viver. Mas que sei eu?
 
 

16 de Abril, Sábado, às 21.30, na Ler Devagar

Lançamento do livro «Mil e Uma Pequenas Histórias», apresentado por Pedro Mexia.

Estão Todos Convidados
 
12.4.05
 

841

Não a voltou a ver, mas muitas vezes recordou a última ocasião em que estiveram juntos. O mês era Agosto, o ano já nem sabia ao certo. Tinha sido ele que tinha exigido que se encontrassem. Precisava falar com ela, disse, e ela acedeu. Poderia ter respondido que não, não sentia qualquer necessidade de falar com ele, mas achou que lhe devia isso, as separações são sempre assuntos complicados. Ele tinha tudo planeado, mas quando ela chegou percebeu afinal que já estava morta para si, e desistiu de a matar. Ela achou-o diferente, quase feliz, e chegou mesmo a desejá-lo.
 
 

840

Ficou só, e uma dúvida cresceu dentro de si: Existiria? A pergunta deixou-o paralisado. Ele pensava que sim, mas foi preciso que um segurança aparecesse e perguntasse o que fazia ali, para que tivesse afinal a confirmação. Saiu bastante aliviado.
 
10.4.05
 

839 (sms)

Ela disse que não o queria e explicou-lhe porquê. Ele ouviu-a com atenção e percebeu afinal que também não a queria. Ficaram amigos e ainda hoje se querem bem.
 
8.4.05
 

838 (sms)

Imaginou o que faria a sua felicidade e, para seu espanto, sentiu-se tão feliz como se na verdade o fosse.
 
7.4.05
 

837

Era uma vez um homem que tinha sempre a boca cheia de palavras, e se a abria lá se iam elas, nunca sabendo o que dizia, e se a fechava, quase se engasgava, correndo o risco de sufocar. E assim viveu, umas vezes de boca aberta e outra fechada, mas sempre, sempre, sempre cheia de palavras, que nada podia fazer.
 
 

836

Talvez a vida não tenha sentido a não ser aquele que lhe damos. E depois, alguém me explica a necessidade absurda de dar um sentido à vida? Isto foi o que ele disse, em voz alta, quase gritando, mas ninguém lhe prestou atenção e todos seguiram o seu caminho. Será que isto faz algum sentido?
 
6.4.05
 

835

Há perguntas que nunca se esgotam nas respostas que lhes damos, desafiando a lógica, o tempo e a nossa paciência. As respostas podem até ser definitivas, já quanto às perguntas é de todo aconselhável que não o sejam, ou não serão verdadeiras perguntas. Vão-se pois as respostas e fiquem as perguntas que, pensando bem, sem as perguntas a vida seria muito aborrecida e sem graça.
 
5.4.05
 

834 (sms)

Sabia ser vários e tinha há muito perdido a ilusão de unidade, tentava apenas reduzir os conflitos e aguentar-se à bronca. Não é afinal o que todos fazemos?
 
4.4.05
 

833

A morte só pode ser bela, disse um homem, de outra forma nunca poderia vencer a vida. Ouvindo-o falar assim, a morte surgiu-lhe então como uma mulher lindíssima por quem ele logo quis morrer.
 
 

832

Um dia vírgula como num passe de magia vírgula tudo mudou ponto final A leitura tornou-se mais fácil vírgula e os leitores passaram a confundir-se muito menos ponto final parágrafo

A pontuação tinha chegado finalmente.
 
3.4.05
 

831

Em tempos soube de um homem que amava uma mulher que jamais dormia e, talvez por isso, tinha sempre muitos amantes. Verdade seja dita, isso nunca lhe tirou o sono. E a mim também não.
 
 

830

Quero comer-te, disse ela, e assim fez. É o que acontece afinal a todos os biscoitos, mais tarde ou mais cedo, até aos mais duros.
 
1.4.05
 

829

Quando finalmente chegou, preparado para ouvir uma declaração de rompimento, eis que ela o beija e o abraça com redobrada saudade. E, por uns instantes, ele não soube se estava feliz ou desiludido. Mas foi só por uns instantes.
 



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