498.
O carro saiu da estrada e avançou com aparato ravina abaixo. Como por milagre, foi o que se disse, o condutor escapou ileso, sem um único arranhão. Quando chegaram finalmente ao carro, ele ainda estava lá dentro, as mãos presas ao volante, e nada disse, parecendo mesmo zangado com as manifestações de alegria dos seus salvadores. Foi nesse momento, inexplicavelmente, que o carro se incendiou, e explodiu quase de seguida, não sem que puxassem o homem para fora, à força, enquanto gritava a plenos pulmões. No dia da entrega de medalhas por bravura ninguém recordou as suas palavras: Deixem-me morrer!
499. Alguma coisa...
Experimento muitas vezes a sensação que alguma coisa foi dita, escreveu o homem, alguma coisa importante que jamais poderá ser ouvida, alguma coisa importante que ninguém quis ou conseguiu escutar. E este é o drama das palavras, não lhes basta serem ditas para que sejam ouvidas, ou talvez o que possam dizer esteja para além do que é possível ouvir. Foi neste ponto que parou de escrever, e olhou para fora de si, como que à procura de uma resposta.