UMAS VERDADES E OUTRAS
463.
De tempos a tempos sentia imensa pena de si próprio, esquecia-se então de tudo o que podia ser, e lembrava-se apenas daquilo que era e não fora. Isso não era bom para ele, pois a sua força estava em esquecer quem era e ser quem podia ser. E ele bem o sabia. Porque se afinal estava em constante mudança, não podia deixar de ser um grande disparate agarrar-se ao que era ou fora e não ao que poderia ser. [A moral desta história, que a tem, é: Querer talvez não seja poder, mas onde já se viu poder sem querer?]
464.
Era uma vez uma pessoa muito, muito especial a quem só aconteciam merdas, e ela muito se interrogava sobre o sentido dessa condição, para a qual nunca encontrava uma resposta definitiva, a não ser que talvez o ser muito especial se traduzisse nela apenas em lhe acontecerem merdas. O que se pode dizer é que era na verdade uma pessoa muito, muito especial, só que tinha pouca sorte, essa é que é essa, e na vida todos precisamos de sorte, de muita, muita sorte, por mais especiais que sejamos. Mas, pensando melhor, ser especial já é ter muita, muita sorte.
465.
Ele era o que os outros não eram, ainda que fosse uma pessoa como as outras, e foi nesta crença que construiu a sua identidade. Por outro lado, por mais que ele tenha mudado ao longo da sua vida, e mudou bastante, a verdade é que nunca deixou de ser quem era, igual a si mesmo e diferente dos outros.