AQUELA SENSAÇÃO...
488 Nos últimos dias experimentou muitas vezes a fugidia e perturbadora sensação de estar à beira de uma importante descoberta sobre si mesmo. Talvez a definitiva compreensão de quem era. Talvez a definitiva compreensão de qual era o seu lugar no mundo. Talvez... Talvez.... Mas nada disso aconteceu afinal. A morte veio e resolveu-lhe a vida, que as interrogações só param de verdade quando se vive sem pensar ou se morre de uma vez por todas.
489 Olhou-se de repente no espelho com a estranha mas convicta sensação de que se iria ver pela primeira vez tal como era, nem mais, nem menos, mas a imagem devolvida era tão enigmática e familiar como sempre. Fechou então os olhos e esforçou-se por sentir quem era, e por muito tempo nada mais fez, mas apenas conseguiu por momentos esquecer-se por completo de si. Bizarra compulsão era a sua que o impedia simplesmente de ser.
490 Durante muito tempo procurou em si o homem que era, mas descobriu afinal que não só podia ser um qualquer outro, assim como o seu eu nunca faria sentido sem um outro. A partir daí, verdade seja dita, nunca deixou de se interrogar sobre a sua identidade, nem levou menos a sério a sua busca, mas deixou por completo de se preocupar com a falta de resultados. Pelo menos foi essa a sensação que teve.