EXISTÊNCIA
331.
Tinha em casa muitos espelhos e olhava-se neles vezes sem conta. E o mesmo acontecia com todos os outros espelhos que encontrava. Era um homem belo e atraente, muito preocupado com o seu aspecto. Não admira pois que a sua obsessiva contemplação de si fosse considerada como uma mera preocupação com a aparência, quando na verdade ele o fazia para se assegurar que existia. Levava a existência muito a sério.
332.
O mestre explicou mais uma vez ao seu aluno a diferença entre existência e consciência de si, e ele afirmou de novo que, se era possível existência sem consciência de si, não via porque não seria possível consciência de si sem existência. Era um homem teimoso, mesmo muito teimoso, o tipo de homem capaz de afirmar que, se os seus pais não o tivessem concebido, ele teria nascido na mesma.
333.
Um certo dia, dois filósofos passeavam por uma alameda ao mesmo tempo que discutiam sem cessar se o mundo existia dentro ou fora deles. Quando a discussão parecia ter chegado a um beco sem saída, um deles deu um pontapé numa pedra que ali estava no caminho. “Vês”, disse ele gemendo, “o mundo existe”, mas o outro só se convenceu de verdade quando o primeiro lhe acertou com uma pedrada.