O contador de histórias [ao Paul Auster]
Um certo dia sentiu pela primeira vez a necessidade compulsiva de contar histórias. Disse a si mesmo que não, e tudo fez para ignorar as histórias que lhe falavam cada vez mais alto. Mas era impossível não as escutar, tal era o barulho que faziam. Distingui-las umas das outras, para que pudessem ser contadas, parecia-lhe uma tarefa árdua e aborrecida. Mas sentia-se muito mal, cada vez pior, e decidiu-se finalmente, na esperança de cortar o mal pela raiz. Estava muito, muito enganado: por mais histórias que contasse o falatório não desaparecia. Quando lhe perguntavam porque não desistia, a sua resposta era sempre igual: Não é que me dê grande prazer, mas não contar é pior.
A morte de um leitor [ao Borges]
Era uma vez um leitor que começou, de um dia para o outro e sem qualquer explicação, a ter fortes ataques de sisudez e aborrecimento. Passado pouco tempo era já incapaz de rir e de apreciar os simples prazeres da leitura. Desesperado, foi consultar um especialista altamente recomendado por um amigo. O perito ouviu-o com atenção e simpatia, nunca o interrompendo, fez-lhe duas ou três perguntas e, no final, recomendou-lhe a leitura intensiva e exclusiva do D. Quixote por um período não inferior a seis meses. Foi mais um sábio conselho que chegou tarde. O leitor morreu ali mesmo, no interior da biblioteca, nem teve tempo de requisitar o livro.