77.
Penteou o cabelo branco e crespo, cofiou a barba, também branca, também crespa, e sorriu ao espelho, ajeitando ao mesmo tempo a veste vermelha ao corpo balofo. Por último, colocou o barrete vermelho debruado a branco, a alva bola felpuda caindo para a direita, como sempre usava, tradicional. Bebeu um trago longo e ardente da garrafa quase vazia , escondeu-a de novo no saco das prendas, e voltou para o seu posto, para mais um turno a aturar meninos e meninas com febre de presentes caros. Era a isto que estava reduzido, Pai Natal de centro comercial, Pai Natal de brincadeira, ele, sim ele, o verdadeiro Pai Natal, o da lenda, o de todas as histórias, de todos os Natais, o de antes da explosão consumista, da globalização, de todos os avanços. Quando uma criança, insolente, lhe afirmou, convicta, que ele não era o verdadeiro Pai Natal, perdeu as estribeiras e esbofeteou-a. Foi imediatamente despedido e o seu comportamento indecoroso comunicado ao sindicato dos Pais Natais. Nunca mais voltou a trabalhar, em Natal nenhum. A sorte foi que lhe saiu a Lotaria, a do Natal, claro está, vejam lá a ironia do destino.
76.
Primeiro, emagreceu vinte quilos, à custa de muita dieta e exercício; depois, cortou a barba e pintou o cabelo de louro; por último, vestiu-se todo de negro: polo justo, fato Armani, ténis Nike. Ficou irreconhecível; quando o viram os gnomos assustaram-se e as renas, essas, fugiram apavoradas. Ninguém diria que aquele era o Pai Natal verdadeiro; um ano depois, no entanto, ele tinha ganho todos os processos legais instaurados com vista ao pleno reconhecimento dos seus direitos de autor, e estava rico, muito rico. Comprou um castelo em França e uma quinta na Argentina, um jacto particular e um iate, e outras coisas mais, muitas outras coisas. Dizem, as más línguas, que, às vezes, ainda se veste de Pai Natal e ri a sua gargalhada roufenha. Oh! oh!, oh!, que rica vida.