<$BlogRSDURL$>
mil e uma pequenas histórias
5.11.02
 
75.

Enrolou-se na enorme bandeira vermelha de todas as manifestações e deitou-se no caixão, austero, à espera da morte. A morte chegou, algum tempo depois, abeirou-se do esquife, intrigada, e riu uma gargalhada prolongada. “Tens a certeza que chegou a tua hora?”, perguntou, meio engasgada, de lágrimas nos olhos. O velho comunista, rígido, crispado, gritou a sua palavra de ordem: “Morte camarada, a minha vida já não vale nada”. “Olhe que não, olhe que não!”, respondeu-lhe a morte, o riso contido a custo, virando-lhe as costas e desaparecendo sem mais. Digam o que disserem, a verdade é que a morte é misericordiosa e pouco dada a crueldades: voltou mais tarde, tão séria quanto a ocasião e a sua ética exigiam, e levou-o então consigo.

74.

Agarrou no martelo e quebrou mais alguns dogmas, as pancadas potentes e certeiras desferidas com a mesma força e determinação com que abrira as primeiras brechas no muro atrás do qual se escondera durante tantos anos. Empunhou a foice com energia redobrada e cortou cerce as últimas resistências, daninhas, indesejáveis, material dialéctico desajustado e sem préstimo. Com a bandeira, vermelha, nua dos seus símbolos, forrou um sofá velho, manchado, onde se sentou a descansar, acabando por adormecer. Quando acordou, a morte olhava-o fixamente, o sobrolho franzido de interrogação. Apressou-se a esclarecer que era comunista, comunista convicto, sim, mas também um comunista novo, renovado, a notícia da sua morte, afirmou peremptório, era de todo exagerada.
 



***
... a ficção no seu mínimo...

Luís Ene

©2002/5

***
Faça-se ouvir:
envie-me um e-mail
deixe a sua opinião

***
em papel


clique para comprar

***
uma entrevista

uma crítica
***
"(...) desejaria reunir uma colecção de contos de uma única frase, ou de uma só linha, se possível."
Italo Calvino - seis propostas para o próximo milénio
***

histórias por tema

* ler e escrever *
* o zen à janela *
* o amor é o que é *
* da brevidade *
* fabulário *
* viva a morte *

***

todas as histórias
08.2002 / 09.2002 / 10.2002 / 11.2002 / 12.2002 / 01.2003 / 02.2003 / 03.2003 / 04.2003 / 05.2003 / 06.2003 / 07.2003 / 08.2003 / 09.2003 / 10.2003 / 11.2003 / 12.2003 / 01.2004 / 02.2004 / 03.2004 / 04.2004 / 05.2004 / 06.2004 / 07.2004 / 08.2004 / 09.2004 / 10.2004 / 11.2004 / 12.2004 / 01.2005 / 02.2005 / 03.2005 / 04.2005 / 05.2005 / 06.2005 / 07.2005 /

***
utilidades

língua portuguesa

literatura portuguesa

Opiniones y consejos sobre el arte de narrar

***
contos mínimos e outras insignificâncias

Augusto Monterroso
Mário Henrique Leiria
Julio Cortazar
Raúl Brasca
pequenos contos
contos zen
greguerias
Vicente Huidobro
estórias sufi
provérbios árabes

***
primos do blog

primeiros mil microcontos
ene problemas
microcontos da zezé
microcontos do carlos
a casa das 1000 portas
letra minúscula

***
outros blogs


o outro mil mais uma
A Contadora
Azul cobalto
Blog de esquerda
blogo
Blogs em.pt
bomba inteligente
bloco de notas
contra a ilusao
cruzes canhoto
Digitalis
e-pistolas
escrita
esquissos
ghostboy
J.K's Diary
Eu-Luis Rijo
Fumacas
Lucubrando
mar portuguez
noite escura
outro lado da lua
paragem de autocarro
pensamentos imperfeitos
pensar enlouquece
polzonoff
PortalC.Tellez
socially incorrect
telepatia
Templo de Atena
:totentanz:
um dia gnostico
vastuleC

fabio Ulanin
eugeniainthemeadow
rua da judiaria
Ma-Shamba
escorrega...
elasticidade
***



Powered by Blogger