41.
Foi, como tantos outros antes dele, à procura de melhores condições de vida; do lado de lá era mais fácil viver, tinha a certeza. Não levou bagagem, não fez quaisquer planos, passou apenas de um para outro lado; a mesma vida, outra cidade, nada mais. De ninguém se despediu, à sua espera ninguém estava. A língua não foi impedimento, a miséria não conhece fronteiras; do lado de cá como do lado de lá, continuava a ser o que era, um pedinte, é certo, mas não parvo, um pouco esperto até, mais do que o suficiente para saber o que era melhor para si : a vida do outro lado da fronteira era mais fácil.
40.
Era a terceira vez naquele mês que estava atrasado para o emprego. O chefe já o tinha tomado de ponta, um dia destes ainda era despedido, por mais explicações e desculpas que apresentasse. Morava a vinte cinco quilómetros da cidade, mas a excelência da estrada e do carro novo deixavam pouco espaço de manobra para justificações. Pela terceira vez naquele mês o conta-quilómetros marcava mais de cinquenta e já passara quase meia hora, mas a cidade ainda não estava à vista. Acelerou mais, concentrou-se na condução; trinta minutos depois estacionava no parque privativo dos quadros da empresa. Nesse mesmo dia trocou o carro novo, potente e dispendioso, por um outro em segunda mão, económico e discreto, e ainda ficou com um pé-de-meia, para o que desse e viesse. Fez bem, nunca mais chegou atrasado e, dois meses depois, quando ficou desempregado, ninguém o pôde acusou de ostentação.