21.
Um amigo meu, no seu cinismo dos últimos dias, gostava de dizer que a felicidade existia e até vinha na lista telefónica, ligava-lhe mesmo com frequência, quando se sentia triste e desesperado, pois, como dizia também, era a única felicidade que respondia à sua chamada. Quando atendiam, perguntava apenas se a felicidade estava, desligando quase de seguida, sempre mais confortado e calmo, com a certeza da sua existência. Um dia, porém, só uma mensagem lhe respondeu: o número que marcou não está atribuído — e não houve lista telefónica ou 118 que lhe valessem. Chegou mesmo a procurá-la na morada que recordava, mas apenas apurou que se ausentara, talvez para o estrangeiro, ninguém sabia ao certo, todos com quem falou mal a conheciam. O meu amigo ficou tão fora de si que fez uma tentativa de suicídio, tarefa que levou a cabo com tanto empenho e pouca sorte – características constantes da sua existência — que foi bem sucedido logo à primeira, sem estar à espera, tendo morrido sem deixar testamento ou mensagem de despedida. A felicidade não veio ao enterro mas telefonou a dar-me os pêsames.