3.
O fenómeno foi primeiro sentido pelos políticos, que não lhe deram grande importância: era apenas uma palavra, uma palavra gasta e envelhecida. Quando as organizações de ajuda deram o alerta, o fenómeno tinha já atingido o seu pico e o processo era irreversível. No fim do ano, a palavra já não existia. Ninguém a conseguia dizer ou escrever e já não era possível ouvi-la ou lê-la. Não figurava nos dicionários e nenhum livro a acolhia. Só a sua ideia perdurava ainda como uma sombra vadia, referida como aquilo que se sabe mas não se consegue expressar. Era curioso ouvir o silêncio perfeito que se produzia quando alguém ousava pronunciar a palavra, interrupção branca no discurso, tão branca quanto a sua ausência imaculada na mancha negra do texto. Quando já todos se tinham esquecido dela, eis que a palavra voltou, ocupando o lugar que deixara. Foi recebida com estranheza e hostilidade. Qual o seu real significado? Que falta fazia? Não existiam já palavras de sobra? O Governo reuniu de emergência e concluiu pela necessidade de realização de um referendo para decidir se a palavra deveria ser suprimida e proibido o seu uso futuro, oral ou escrito. No dia marcado, logo após a abertura das urnas, os primeiros votantes constataram que a palavra tinha desaparecido dos boletins, facto que levou à pronta anulação do acto e arrumou definitivamente o assunto.