<$BlogRSDURL$>
mil e uma pequenas histórias
29.8.02
 
11.

Desde o dia da sua morte que João não parecia o mesmo, sempre abatido, macambúzio, alheado da procura dos prazeres simples, sombra do bon vivant, divertido e folgazão, que todos apreciavam e procuravam, nos bons e nos maus momentos. Agora passava os dias deitado, deixara de procurar os amigos, já não se passeava inquieto pela zona baixa da cidade: abandonara afinal todos os seus hábitos. Comentava-se insistentemente o seu estranho e invulgar comportamento, mas ninguém se decidia a fazer coisa alguma. Por muitas voltas que dessem à questão, acabavam sempre por concluir que isso era lá com ele, ele é que sabia com que linhas é que se cosia. No entanto, sempre iam acrescentando que lá por estar morto não havia razão para tal mudança. Ao fim e ao cabo, não era a morte parte da vida? — perguntavam a modos de justificativa. No meio de todo este tumulto inconsequente, só o Manuel Professor teve o discernimento e a ligeireza para fazer o que era preciso: ir ao fundo da questão. Assim, decidido a esclarecer o assunto, foi junto dele e perguntou-lhe, sem papas na língua, que raio se passava que estava a deixar todos preocupados, ficando em silêncio à espera de resposta que não tardou, num balbucio rouco: ”Vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance para continuar a ser o mesmo. Agradeço a vossa simpatia e preocupação, preciso só de um pouco mais de tempo, que a morte é uma coisa séria e de difícil habituação.” Umas duas semanas depois voltou tudo ao normal, o João retomou a sua antiga boa disposição e todos ficaram contentes, todos menos eu, que já lhe escrevera o obituário e tive de o guardar à espera de melhores dias.
 



***
... a ficção no seu mínimo...

Luís Ene

©2002/5

***
Faça-se ouvir:
envie-me um e-mail
deixe a sua opinião

***
em papel


clique para comprar

***
uma entrevista

uma crítica
***
"(...) desejaria reunir uma colecção de contos de uma única frase, ou de uma só linha, se possível."
Italo Calvino - seis propostas para o próximo milénio
***

histórias por tema

* ler e escrever *
* o zen à janela *
* o amor é o que é *
* da brevidade *
* fabulário *
* viva a morte *

***

todas as histórias
08.2002 / 09.2002 / 10.2002 / 11.2002 / 12.2002 / 01.2003 / 02.2003 / 03.2003 / 04.2003 / 05.2003 / 06.2003 / 07.2003 / 08.2003 / 09.2003 / 10.2003 / 11.2003 / 12.2003 / 01.2004 / 02.2004 / 03.2004 / 04.2004 / 05.2004 / 06.2004 / 07.2004 / 08.2004 / 09.2004 / 10.2004 / 11.2004 / 12.2004 / 01.2005 / 02.2005 / 03.2005 / 04.2005 / 05.2005 / 06.2005 / 07.2005 /

***
utilidades

língua portuguesa

literatura portuguesa

Opiniones y consejos sobre el arte de narrar

***
contos mínimos e outras insignificâncias

Augusto Monterroso
Mário Henrique Leiria
Julio Cortazar
Raúl Brasca
pequenos contos
contos zen
greguerias
Vicente Huidobro
estórias sufi
provérbios árabes

***
primos do blog

primeiros mil microcontos
ene problemas
microcontos da zezé
microcontos do carlos
a casa das 1000 portas
letra minúscula

***
outros blogs


o outro mil mais uma
A Contadora
Azul cobalto
Blog de esquerda
blogo
Blogs em.pt
bomba inteligente
bloco de notas
contra a ilusao
cruzes canhoto
Digitalis
e-pistolas
escrita
esquissos
ghostboy
J.K's Diary
Eu-Luis Rijo
Fumacas
Lucubrando
mar portuguez
noite escura
outro lado da lua
paragem de autocarro
pensamentos imperfeitos
pensar enlouquece
polzonoff
PortalC.Tellez
socially incorrect
telepatia
Templo de Atena
:totentanz:
um dia gnostico
vastuleC

fabio Ulanin
eugeniainthemeadow
rua da judiaria
Ma-Shamba
escorrega...
elasticidade
***



Powered by Blogger