11.
Desde o dia da sua morte que João não parecia o mesmo, sempre abatido, macambúzio, alheado da procura dos prazeres simples, sombra do bon vivant, divertido e folgazão, que todos apreciavam e procuravam, nos bons e nos maus momentos. Agora passava os dias deitado, deixara de procurar os amigos, já não se passeava inquieto pela zona baixa da cidade: abandonara afinal todos os seus hábitos. Comentava-se insistentemente o seu estranho e invulgar comportamento, mas ninguém se decidia a fazer coisa alguma. Por muitas voltas que dessem à questão, acabavam sempre por concluir que isso era lá com ele, ele é que sabia com que linhas é que se cosia. No entanto, sempre iam acrescentando que lá por estar morto não havia razão para tal mudança. Ao fim e ao cabo, não era a morte parte da vida? — perguntavam a modos de justificativa. No meio de todo este tumulto inconsequente, só o Manuel Professor teve o discernimento e a ligeireza para fazer o que era preciso: ir ao fundo da questão. Assim, decidido a esclarecer o assunto, foi junto dele e perguntou-lhe, sem papas na língua, que raio se passava que estava a deixar todos preocupados, ficando em silêncio à espera de resposta que não tardou, num balbucio rouco: ”Vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance para continuar a ser o mesmo. Agradeço a vossa simpatia e preocupação, preciso só de um pouco mais de tempo, que a morte é uma coisa séria e de difícil habituação.” Umas duas semanas depois voltou tudo ao normal, o João retomou a sua antiga boa disposição e todos ficaram contentes, todos menos eu, que já lhe escrevera o obituário e tive de o guardar à espera de melhores dias.