1.
Naquele dia, tal como tantos outros, saí do escritório por volta das sete horas. Era ainda de dia e estava calor. Desci até ao parque e sentei-me numa das esplanadas em redor do lago. Pedi um gin tónico e bebi-o em pequenos goles metódicos. Pedi outro, bebi-o da mesma forma e deixei que os meus pensamentos flutuassem sem controle. Foi só quando me levantei e me encaminhava para o carro, estacionado ali perto, que me apercebi que não sabia onde morava. E não se tratava de não conseguir dizer o nome da rua ou da porta e em que zona da cidade ficava mas sim, tão só e apenas, não ter a mínima recordação sobre o assunto. Em algum lugar havia de morar, mas onde? Sabia o meu nome, data de nascimento, filiação, estado civil, profissão - confirmei apressadamente o meu bilhete de identidade - mas não conseguia dizer a minha morada nem me lembrava de nada que me pudesse ajudar a descobri-la. Percorri os meus documentos mas nada encontrei. Estava a começar a perder o controle. Entrei no carro e arranquei sem destino confiando nos meus instintos. Mas apesar de conseguir visualizar facilmente a cidade, com as suas zonas e as suas saídas, sentia-me perdido. No cruzamento da rua 5 com a rua 12 despistei-me e fui embater num poste de iluminação. Desmaiei. Retomei consciência muito tempo depois, mais precisamente doze anos depois. Os médicos mostraram-se muito preocupados mas eu assegurei-lhes que me sentia bem. Uma semana depois deixaram-me sair. Entrei no táxi e dei a minha morada ao condutor. Finalmente ia voltar para casa.